Colágeno e a Ciência: Mitos e Verdades sobre Suplementação
O que é Colágeno?
O colágeno é a proteína estrutural mais abundante no corpo humano, representando cerca de 30% do total de proteínas do organismo. Ele forma fibras resistentes e flexíveis que sustentam tecidos como pele, tendões, ligamentos, ossos e cartilagens. É composto principalmente por três aminoácidos: glicina, prolina e hidroxiprolina, que dão a ele suas propriedades únicas.
No mercado, o colágeno é extraído de subprodutos da indústria agropecuária, como ossos, peles e cartilagens de bovinos, suínos e peixes. Isso tem duas implicações importantes: primeiro, é uma forma de agregar valor e aumentar a lucratividade do setor; segundo, é um processo ambientalmente sustentável, pois evita descarte de resíduos. Vale destacar que essa lógica não é nova: o whey protein, considerado “ouro” na nutrição esportiva, também surgiu como subproduto da produção de queijos. Portanto, não há demérito algum no fato de o colágeno vir de sobras, pelo contrário, é um exemplo de economia circular.
Colágeno e Saúde Muscular
A principal discussão atual é sobre o papel (ou a falta dele) do colágeno na manutenção e ganho de massa muscular. Diferente de proteínas completas como whey, leite, carne, ovo e até isolados vegetais como a proteína de ervilha, o colágeno é pobre em aminoácidos essenciais (EAAs) e praticamente isento de triptofano. Isso compromete sua capacidade de estimular a síntese proteica muscular (MPS).
Estudos recentes em idosos e jovens saudáveis mostraram que:
- Whey e ervilha aumentam significativamente a MPS.
- Colágeno, mesmo em doses altas (30–50 g/dia), não aumenta a MPS.
- A resistência anabólica dos idosos, que reduz a resposta do músculo à proteína, não é superada pelo colágeno.
Um estudo testou uma combinação de whey + colágeno e encontrou aumento da síntese muscular e do tecido conjuntivo. Porém, a comparação foi feita contra placebo sem calorias ou nitrogênio com um erro metodológico. Sem um grupo controle com whey isolado, não dá para afirmar que o colágeno trouxe benefício extra. O mais provável é que o efeito positivo tenha vindo do whey.
👉 Conclusão: o colágeno isolado não deve ser usado como proteína para hipertrofia ou prevenção de sarcopenia. O que funciona são proteínas completas, ricas em leucina.
Colágeno e Envelhecimento Muscular (Idosos)
Com a idade, ocorre a chamada resistência anabólica: os músculos respondem menos ao estímulo da proteína e do exercício. Isso acelera a sarcopenia, perda de massa e força muscular que compromete a saúde e a independência funcional. A ciência mostra que aumentar a ingestão proteica total (1,2–1,5 g/kg/dia, distribuídos ao longo das refeições) pode reduzir esse processo.
Estudos duplo-cegos em idosos mostraram que whey e ervilha aumentam a MPS quando a proteína da dieta sobe acima da recomendação mínima (0,8 g/kg/dia). Já o colágeno não teve efeito, mesmo em doses altas. Isso reforça que quantidade não basta: é a qualidade da proteína que determina a resposta anabólica.
Colágeno e Intestino
Embora o marketing muitas vezes sugira benefícios intestinais, a ciência ainda não comprovou isso. Até o momento, não há evidência de que colágeno melhore a microbiota ou a função intestinal de forma direta.
O que existe são estudos paralelos em modelos animais testando outras estratégias, como o uso de nanotecnologia (nanoesferas de ouro) que modulam a microbiota intestinal e reduzem inflamações. Mas isso não envolve colágeno. Portanto, afirmar que colágeno tem efeito direto no intestino ainda é extrapolação sem base científica.
Colágeno e Pele
O colágeno se tornou sinônimo de “suplemento antienvelhecimento”. Mas o que diz a ciência mais atual?
Uma meta-análise de 2025, incluindo 23 ensaios clínicos e quase 1.500 participantes, encontrou pequenas melhorias em hidratação, elasticidade e rugas. Porém, quando os dados foram separados por qualidade e viés de financiamento, os efeitos desapareceram. Os autores concluíram: “Não há evidência clínica atual que apoie o uso de suplementos de colágeno para prevenir ou tratar o envelhecimento da pele.”
Isso não significa que colágeno não tenha nenhum efeito estético. Pode ser que, em alguns contextos, ele ajude de forma modesta. Mas até agora, os melhores resultados vieram de estudos de baixa qualidade ou financiados pela indústria, o que gera suspeita de viés.
Colágeno e Articulações
Na saúde articular e ortopédica, os resultados são mais interessantes. Revisões sugerem que o colágeno pode ajudar em dores articulares leves e em elasticidade de tendões. Alguns estudos relatam melhora da função em pacientes com desgaste articular ou atletas com queixas de dor. A explicação é que os peptídeos de colágeno poderiam estimular fibroblastos e condroblastos, favorecendo a produção da matriz extracelular.
Porém, a evidência é heterogênea e com limitações importantes: falta de padronização de dose, curta duração dos estudos e ausência de comparações com outros suplementos. Portanto, o colágeno pode ser usado como coadjuvante em saúde articular, mas não substitui fisioterapia ou tratamentos clínicos.
Estudos Patrocinados e Vieses
Um ponto crítico na literatura é o impacto do financiamento pela indústria. Estudos patrocinados por fabricantes de colágeno tendem a mostrar resultados mais positivos do que estudos independentes. Exemplos:
- O estudo do blend whey + colágeno foi financiado pela indústria (GELITA) e não comparou com whey isolado, o que limita a interpretação do papel real do colágeno.
- A meta-análise publicada no American Journal of Medicine (2025) mostrou que quando retirados os estudos com financiamento da indústria, os efeitos positivos do colágeno na pele desaparecem.
- Revisões narrativas em ortopedia frequentemente citam benefícios, mas grande parte é baseada em estudos patrocinados e de baixa qualidade metodológica.
👉 Esse viés não significa que todo estudo patrocinado esteja errado, mas reforça a necessidade de olhar criticamente para quem financia e como os resultados são apresentados.
Conclusão Geral
O colágeno é uma proteína essencial para o corpo e um exemplo de como a indústria pode transformar resíduos em produtos de valor e sustentabilidade, assim como o whey protein. No entanto, quando falamos de suplementação, as evidências científicas atuais são claras:
- Músculos: colágeno isolado não aumenta massa nem preserva músculo. Whey, leite, carne, ovos e proteínas vegetais completas são superiores.
- Idosos: não há efeito do colágeno contra sarcopenia; proteínas completas são fundamentais.
- Intestino: não existem evidências sólidas que suportem benefícios do colágeno.
- Pele: resultados positivos vêm de estudos fracos ou com viés de financiamento. Revisões de alta qualidade não confirmam efeitos significativos.
- Articulações: pode ter algum papel como coadjuvante, mas com evidências limitadas.
- Vieses: estudos patrocinados pela indústria tendem a exagerar benefícios, sempre avalie a origem e a qualidade da evidência.
👉 Em suma, o colágeno pode ser considerado um suplemento de nicho: útil em contextos de pele e articulação, mas sem papel relevante em hipertrofia ou prevenção de sarcopenia. O foco, sempre, deve estar em proteínas completas de alta qualidade.
Veja mais:
Tipos de colágeno – escrito em 2019: https://nutrivanessalobato.com.br/tipos-de-colageno/
Referências
- McKendry J, Lowisz CV, Nanthakumar A, MacDonald M, Lim C, Currier BS, Phillips SM. The effects of whey, pea, and collagen protein supplementation beyond the recommended dietary allowance on integrated myofibrillar protein synthetic rates in older males: a randomized controlled trial. Am J Clin Nutr. 2024 Jul;120(1):34-46. doi: 10.1016/j.ajcnut.2024.05.009. Epub 2024 May 16. PMID: 38762187; PMCID: PMC11291473.
- Oikawa SY, Kamal MJ, Webb EK, McGlory C, Baker SK, Phillips SM. Whey protein but not collagen peptides stimulate acute and longer-term muscle protein synthesis with and without resistance exercise in healthy older women: a randomized controlled trial. Am J Clin Nutr. 2020 Mar 1;111(3):708-718. doi: 10.1093/ajcn/nqz332. Erratum in: Am J Clin Nutr. 2020 Dec 10;112(6):1656. doi: 10.1093/ajcn/nqaa275. PMID: 31919527; PMCID: PMC7049534.
- Aussieker T, Kaiser J, Hendriks FK, Janssen TAH, Senden JM, van Kranenburg JMX, Goessens JPB, Zorenc A, Kornips E, Brinkhuizen T, Baar K, Snijders T, Holwerda AM, van Loon LJC. The Effects of Ingesting a Single Bolus of Hydrolyzed Collagen versus Free Amino Acids on Muscle Connective Protein Synthesis Rates. Med Sci Sports Exerc. 2025 Jun 13. doi: 10.1249/MSS.0000000000003788. Epub ahead of print. PMID: 40523226.
- Aussieker T, Kaiser J, Hermans WJH, Hendriks FK, Holwerda AM, Senden JM, VAN Kranenburg JMX, Goessens JPB, Braun U, Baar K, Snijders T, VAN Loon LJC. Ingestion of a Whey Plus Collagen Protein Blend Increases Myofibrillar and Muscle Connective Protein Synthesis Rates. Med Sci Sports Exerc. 2025 Mar 1;57(3):544-554. doi: 10.1249/MSS.0000000000003596. Epub 2024 Nov 6. PMID: 39501478; PMCID: PMC11801439.
- de Miranda RB, Weimer P, Rossi RC. Effects of hydrolyzed collagen supplementation on skin aging: a systematic review and meta-analysis. Int J Dermatol. 2021 Dec;60(12):1449-1461. doi: 10.1111/ijd.15518. Epub 2021 Mar 20. PMID: 33742704.
- Campos LD, Santos Junior VA, Pimentel JD, Carregã GLF, Cazarin CBB. Collagen supplementation in skin and orthopedic diseases: A review of the literature. Heliyon. 2023 Mar 28;9(4):e14961. doi: 10.1016/j.heliyon.2023.e14961. PMID: 37064452; PMCID: PMC10102402.
- Yang, C., Xie, L., Deng, Z. et al. An orally-administered nanotherapeutics with gold nanospheres supplying for rheumatoid arthritis therapy by re-shaping gut microbial tryptophan metabolism. J Nanobiotechnol 23, 376 (2025). https://doi.org/10.1186/s12951-025-03450-7
#bjodanutri #NutriVanessaLobato #nutrilobato
Nutricionista Vanessa Lobato
Nutricionista Especializada em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP
Nutricionista Especialista em Fitoterapia pela Santa Casa
Especializanda em Nutrição Esportiva e Obesidade pela USP
Pós-graduanda em Neurociências pela UNIFESP