Nova Abordagem no Diagnóstico da Obesidade: Muito Além do IMC

A proposta da Lancet Diabetes & Endocrinology Global Commission traz uma mudança significativa na forma de diagnosticar a obesidade, abordando as limitações do Índice de Massa Corporal (IMC) como único critério diagnóstico.

Tradicionalmente, o IMC é usado para identificar obesidade, com valores acima de 30 kg/m² sendo indicativos dessa condição. No entanto, estudos demonstram que o IMC não reflete diretamente a composição corporal, a distribuição de gordura nem os impactos individuais na saúde. Essa abordagem limitada pode levar a diagnósticos equivocados, atrasando ou dificultando o acesso a tratamentos adequados.

Diagnóstico além do IMC

A comissão recomenda a adoção de métodos complementares para identificar a obesidade, como:

  • Medidas adicionais de composição corporal: circunferência da cintura, relação cintura-quadril ou relação cintura-altura, em conjunto com o IMC.
  • Medição direta da gordura corporal: por meio de exames como a densitometria óssea (DEXA) ou bioimpedância.
  • Avaliação de gordura visceral: que está mais fortemente associada a riscos metabólicos e cardiovasculares.

Essa mudança busca evitar tanto o subdiagnóstico (em pessoas com gordura corporal elevada, mas IMC normal) quanto o sobrediagnóstico (em indivíduos com IMC elevado, mas sem prejuízo funcional ou de saúde).

Novas categorias diagnósticas

A comissão introduz dois novos conceitos:

  1. Obesidade clínica: Caracterizada por disfunções objetivas de órgãos ou sistemas devido ao excesso de gordura corporal. Critérios incluem:
    • Alterações respiratórias, como dispneia causada por gordura abdominal comprimindo os pulmões.
    • Insuficiência cardíaca relacionada à obesidade.
    • Dores articulares (joelhos ou quadris), rigidez e mobilidade reduzida, como efeitos do excesso de peso.
    • Disfunções renais, metabólicas, nervosas, urinárias e reprodutivas, além de linfedema em membros inferiores.
    • Alterações ósseas e articulares em crianças e adolescentes que limitam movimentos.

    Pessoas com obesidade clínica devem ser consideradas portadoras de uma doença crônica, com necessidade de manejo individualizado e, muitas vezes, intervenção precoce para melhorar a função corporal e qualidade de vida.

  2. Obesidade pré-clínica: Refere-se a indivíduos com excesso de gordura corporal, mas sem disfunções ou doenças ativas. Esses indivíduos têm maior risco de desenvolver doenças crônicas (diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e certos tipos de câncer), e o foco do manejo deve ser a redução do risco futuro por meio de intervenções de estilo de vida e monitoramento contínuo.

Segue uma tabela comparativa entre os conceitos tradicionais de obesidade e a nova proposta baseada nos critérios da Lancet Diabetes & Endocrinology Global Commission:

CritérioAbordagem Tradicional (IMC)Nova Proposta da Comissão
DefiniçãoBaseada no Índice de Massa Corporal (IMC), com corte ≥ 30 kg/m² para obesidade.Baseada em critérios multifatoriais, como excesso de gordura corporal, distribuição da gordura e sinais objetivos de disfunção.
MediçãoSomente IMC.IMC combinado com medições adicionais (circunferência da cintura, relação cintura-quadril, DEXA ou gordura visceral).
DiagnósticoUniforme para todos com base no IMC, sem considerar variações individuais ou saúde geral.Classificação em duas categorias: obesidade pré-clínica (sem disfunção) e obesidade clínica (com sinais de doença crônica).
Foco do tratamentoPerda de peso como objetivo principal.Recuperação da função corporal (em obesidade clínica) ou redução do risco (em obesidade pré-clínica).
Critérios adicionaisNão inclui informações sobre a distribuição de gordura ou efeitos no organismo.Inclui medidas de disfunção de órgãos, sinais metabólicos e capacidade funcional (e.g., dispneia, dores articulares, insuficiência).
Impacto no diagnósticoPossível sobrediagnóstico (IMC elevado sem problemas de saúde) ou subdiagnóstico (gordura visceral sem IMC elevado).Diagnóstico mais preciso, considerando composição corporal e impacto funcional individual.
Acesso ao tratamentoFrequentemente negado a pessoas com IMC alto sem outras comorbidades diagnosticadas.Reconhecimento da obesidade clínica como doença crônica, justificando tratamento independente de outras condições.
PrevençãoFoco em intervenções populacionais baseadas em IMC.Intervenções personalizadas, especialmente para obesidade pré-clínica, com foco na redução de riscos futuros.
EstigmaAbordagem que muitas vezes reforça estereótipos sobre peso e saúde.Reduz o estigma ao focar em critérios médicos objetivos e individualizados.

 

Cuidados personalizados

A comissão enfatiza que o manejo da obesidade deve ser adaptado ao perfil do paciente. Para pessoas com obesidade clínica, o objetivo vai além da perda de peso: o foco está na recuperação ou melhora da função dos órgãos comprometidos. Isso pode incluir mudanças no estilo de vida, medicamentos ou cirurgias, conforme a necessidade individual e com base em avaliações de risco-benefício.

Por outro lado, para indivíduos com obesidade pré-clínica, estratégias preventivas devem incluir aconselhamento nutricional, estímulo à atividade física e acompanhamento regular para evitar a progressão para obesidade clínica.

Impacto na sociedade e no sistema de saúde

A redefinição de obesidade proposta pela comissão é um passo importante para combater o estigma social associado à condição. Além disso, visa otimizar os recursos de saúde, evitando o tratamento excessivo em casos desnecessários e assegurando que os pacientes com obesidade clínica recebam atenção adequada e tempestiva.

Conclusão

A nova abordagem busca proporcionar uma definição universal e clinicamente relevante para obesidade, que permita diagnósticos mais precisos e individualizados. Ao considerar as diferentes apresentações e riscos associados ao excesso de gordura corporal, a proposta promove não apenas um cuidado mais humano e eficaz, mas também uma alocação mais racional de recursos em saúde.

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Fonte: Rubino, Francesco et al. Definition and diagnostic criteria of clinical obesity. The Lancet Diabetes & Endocrinology, Volume 0, Issue 0. January 14, 2025.

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Nutricionista Vanessa Lobato
Nutricionista Especializada em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP
Nutricionista Especialista em Fitoterapia pela Santa Casa
Especializanda em Nutrição Esportiva e Obesidade pela USP
Pós-graduanda em Neurociências pela UNIFESP